Da invisibilidade à participação social: promoção da saúde em pessoas com deficiência
DOI:
https://doi.org/10.5020/18061230.2015.p463Resumo
A 8ª Conferência Internacional de Promoção a Saúde(1) realizada em Helsinki em 2013, edificada em pilares determinados na Declaração de Alma-Ata (1978) e na Carta de Ottawa (1986), adotou a temática “Saúde em todas as politicas”. Esse enfoque vem aclarar a responsabilidade dos governos com seus povos, ressaltando que saúde é um direito fundamental e uma questão de equidade e justiça social. Para tanto, deve haver sinergia nas decisões para evitar impactos nocivos à saúde. Conceitualmente, se expressa pelos princípios de: legitimidade, prestação de contas, transparência e acesso à informação, participação, sustentabilidade, e colaboração entre os setores e níveis de governo. As mudanças nas concepções de saúde determinaram a revisão no conceito de promoção de saúde e permitiram redesenhar políticas públicas. Destaque-se que a promoção da saúde(2) deve ser entendida e estruturada em dois grandes eixos, em que ações de promoção se sobrepõem às de prevenção de doenças e outro referente à ampliação do conceito saúde, em que os sujeitos se envolvem e contribuem para garantir condições de vida. No Brasil, a institucionalização da Política Nacional de Promoção da Saúde(3) no cenário da saúde é exemplo de política transversal, já explicitado que saúde não se restringe somente ao setor saúde(4). Tal política tem como finalidade promover a qualidade de vida, reduzir vulnerabilidades e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais. Pode-se atentar ao fato, que essa política destaca-se pelo caráter inclusivo e integrador, e é capaz de sintonizar-se com a Declaração Universal dos Direitos Humanos(5), que estabelece, no seu art. 1º, que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. A partir dessas concepções pode-se afirmar que a operacionalização da promoção da saúde(6) segue princípios que caracterizam as ações definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a: concepção holística, intersetorialidade, empoderamento, participação social, equidade, ações multiestratégicas e sustentabilidade. Cabe ressaltar que operacionalizar uma política pública para pessoas com deficiência no Brasil não é tarefa fácil, segundo os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, os resultados apontaram que 45.606.048 brasileiros (23,9% da população total) têm algum tipo de deficiência visual, auditiva, motora e mental ou intelectual(7), sendo a prevalência bastante alta na população brasileira de 198,7 milhões. Ao considerar-se a população no âmbito regional, observa-se que 27,7% da população residente no Ceará, correspondendo a um total de 2.340.150 cearenses, apresentam algum tipo de deficiência(8), percentual acima do registrado nacionalmente (23,9%) e da Região Nordeste (26,6%). Neste contexto, traz-se um conceito de deficiência como resultado da interação entre pessoas com diferentes níveis de funcionamento e um entorno que não considera essas diferenças; se não existem barreiras ambientais ou atitudinais, não há deficiência e sim, limitação funcional(9). Para se compreender o contexto em que essas pessoas excluídas se encontram, é determinante abordar o conceito de vulnerabilidade social(10) como fragilidade do acesso às oportunidades oferecidas pelo ambiente, considerando as condições de saúde, educação, trabalho e acesso a bens materiais e políticos. O termo desvantagem é analisado como indicativo à situação de dependência devido às condições de idade (crianças e idosos), doença (pessoas com deficiência), que têm em comum a falta de condições de trabalhar para suprir suas necessidades básicas. O conceito desfiliação foi desenvolvido(11) por considerar que exclusão compreende um estado de privação, enquanto desfiliação consiste em um processo de ruptura das redes de apoio social que se constituem num território, e pode ser um estado temporário ou permanente. Em 2000, uma assembléia da ONU definiu as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM), que são parte do programa estratégico mundial de redução da pobreza até 2015: erradicar a pobreza extrema e a fome, alcançar uma educação primária universal, promover a igualdade de gênero e o aprimoramento da condição da mulher, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/SIDA, malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental, desenvolver uma aliança global para o desenvolvimento(12). A idéia do Desenvolvimento Inclusivo começou a ser delineada em 2005 pela Equipe Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo da Região da América Latina e Caribe do Banco Mundial, como “[...] a concepção e implementação de ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano que procuram a liberdade, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independentemente do seu status social, seu gênero, idade,condição física ou mental, sua raça, religião, orientação sexual, etc., em equilíbrio com o seu meio ambiente”(11). De acordo com o relatório Metas de Desenvolvimento do Milênio: Relatório 2005(12), “[...] a magnitude dos problemas relacionados com a exclusão social das pessoas com deficiência e outros grupos vulneráveis será suficiente para impedir que as ditas metas sejam alcançadas, se não se encontrarem formas de os incluir no progresso social e econômico em geral”. Considera-se desafios a serem enfrentados a redução do nível de invisibilidade das pessoas com deficiência, o acesso aos serviços de saúde, o acesso ao mundo do trabalho e a estruturação da rede de cuidado. As pessoas com deficiência estão entre os grupos considerados mais vulneráveis. Inicialmente, devido às especificidades do próprio grupo, mas também por fazerem parte dos estratos populacionais mais pobres, que repercute no seu desempenho ocupacional e, consequentemente na sua qualidade de vida. Quanto ao acesso ao mundo do trabalho, em especial devido à capacitação profissional, historicamente, ocorria voltado a preparar a pessoa com deficiência para postos de trabalho que exigissem menor nível de qualificação e, muitas vezes, eram capacitados nas empresas(13). Identifica-se como estratégia a estruturação de programas efetivos que considerem as diferenças dessas pessoas e o seu potencial, adequando as estratégias de mediação e as possibilidades profissionais às demandas do mercado. Destaque-se que a incapacidade já não é considerada a mera consequência de uma deficiência. O modelo social de incapacidade tem acentuado a consciência de que as barreiras à participação são causas muito importantes de deficiência. Coerente com essa afirmação, a Organização Mundial de Saúde preconiza que qualquer proposta de reabilitação social deve orientar-se pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)(14), que delineia a funcionalidade e a incapacidade relacionadas à saúde, identificando o que uma pessoa “pode ou não pode fazer na sua vida diária”, considerando as funções dos órgãos ou sistemas e estruturas do corpo, assim como as limitações em atividades e na participação social no meio ambiente onde a pessoa vive. As pessoas com deficiência demandam um mínimo de acessibilidade, além do acesso a uma série de direitos previstos, para lhes assegurar uma vida mais digna. O acesso aos serviços de saúde pelas pessoas com deficiência tem sido difícil porque, em geral, o investimento é reduzido nas equipes de saúde no sentido da sensibilização e informações sobre as diferenças, as especificidades das pessoas com deficiência e as estratégias para anular a deficiência, tornando-a uma limitação funcional. Uma estratégia importante a ser adotada é a criação de programas focados nos aspectos citados para garantir a equidade. O SUS experimentou grande expansão nos serviços na última década e tem sido um desafio o aperfeiçoamento no processo de trabalho, determinando a reorganização destes serviços mediante a constituição de uma rede de cuidados em saúde que garanta o acesso das pessoas com deficiência e, consequentemente, a melhoria dos indicadores de saúde. Para tanto, faz-se necessário o levantamento dos equipamentos comunitários de apoio social e governamental, bem como a educação continuada dos profissionais da saúde e da assistência social, e a criação ou ampliação das modalidades de acesso, integrando as diferentes etapas de atenção. Ou seja, ainda existe um longo caminho, mas, o processo de se vencer as barreiras (todas elas) teve início, e é sem volta.Downloads
Referências
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