Contribuições da Teoria Bioecológica para os Estudos sobre Mediunidade no Brasil
DOI:
https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v23iEsp.%201.e12516Palavras-chave:
mediunidade de incorporação, umbanda, candomblé, espiritismo, psicologia do desenvolvimento.Resumo
Na literatura científica nem sempre a mediunidade e suas diferentes expressões foram consideradas categorias culturais e religiosas, predominando posicionamentos que as associavam ao adoecimento psíquico. A Psicologia do Desenvolvimento, nesse sentido, pode contribuir para a emergência de posicionamentos que não mais promovam estigmatizações e intolerância em relação às pessoas que manifestam a mediunidade. O objetivo desta investigação é destacar as principais contribuições da teoria bioecológica do desenvolvimento para os estudos sobre a mediunidade no Brasil. Foram entrevistados 61 médiuns de diferentes centros religiosos da umbanda, do candomblé e do espiritismo kardecista localizados em três cidades do interior dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Foram identificadas nas narrativas dos médiuns elementos da teoria bioecológica – pessoa, processo, contexto e tempo – bem como discutidas as noções de transição ecológica para a compreensão das trajetórias de vida e a de inserção ecológica para refletir sobre o papel do pesquisador nesse contexto de investigação. Os dados deste estudo revelam a necessidade de revisões e aprimoramentos do referencial, sobretudo em termos da inserção ecológica, para permitir o acesso ao campo e aos interlocutores em uma exploração sistêmica do fenômeno da mediunidade. A dimensão pessoa também pode ser revista para abarcar não apenas as demandas, os recursos e as disposições do(a) médium, mas das entidades/orixás por eles(as) incorporados durante o transe de possessão, elementos que se cravam na descrição de quem é esse(a) médium em termos de suas características bioecológicas. Para além dessas recomendações, destaca-se que a teoria bioecológica tem contribuído para uma investigação da mediunidade do ponto de vista desenvolvimental, com foco em processos de mudança e permitindo a emergência de uma inteligibilidade comprometida com o cotejamento desse fenômeno em resposta aos posicionamentos racistas, preconceituosos e intolerantes que tradicionalmente marcaram o estudo da mediunidade no contexto brasileiro e também o cuidado a esses médiuns.Downloads
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