“Na Dor e no Sangue”: A Ambiguidade na Experiência do Abortamento Provocado

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v23i1.e12829

Palavras-chave:

aborto, saúde da mulher, fenomenologia, ambiguidade

Resumo

O debate acerca da descriminalização da interrupção voluntária da gravidez vem ganhando força na América Latina. Os principais argumentos favoráveis à legalização giram em torno das questões de saúde e liberdade das mulheres. Este estudo teve como objetivo compreender a experiência de abortamento provocado, a partir do relato de mulheres que interromperam a gestação. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa e interpretativa, cuja coleta de dados se deu por meio de entrevistas individuais abertas e a análise, a partir da proposta empírico-fenomenológica. Participaram 7 mulheres de entre 25 e 56 anos, que relataram 11 abortamentos (variando de um a três). Os resultados mostram que a experiência evidencia a ambiguidade da condição humana entre as participantes, evidenciada pela criminalização do aborto, principalmente no que se refere à liberdade de escolha à solidão imposta pela clandestinidade e à condição simbólica restritiva da maternidade. Ao que parece, o abortamento não foi necessariamente traumático e causador de culpa e de arrependimento, mas foi relacionado a sentimentos negativos em virtude da criminalização e do julgamento moral e social. Nesse sentido, cabe aos(às) profissionais atuantes na área da saúde mental ações que visem a redução destes impactos negativos que perpetuam o sofrimento e encarnam “na dor e no sangue” a produção subjetiva em torno da maternidade e do desejo pela interrupção da gestação.

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Biografia do Autor

Marília Netz Bento, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Psicóloga, Mestra em Psicologia e Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Especialista em Psicologia Fenomenológica e Hermenêutica pelo Instituto Dasein.

Lucia Marques Stenzel, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre - UFCSPA, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora Associada do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

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Publicado

15.12.2023

Como Citar

Bento, M. N., & Stenzel, L. M. (2023). “Na Dor e no Sangue”: A Ambiguidade na Experiência do Abortamento Provocado. Revista Subjetividades, 23(1), e12829. https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v23i1.e12829

Edição

Seção

Relatos de Pesquisa